Jorge Pimenta Filho
Puede escribir sus comentarios aUm sujeito atormentado pelo corpo
Posso não me lembrar de tudo, em detalhes. Mas não há como olvidar fatos que por serem tão viscerais em seu acometimento carnal, deles não se esquece, jamais!
Não há estabelecimento da verdade histórica sem o recurso à memória, o que é necessário. Mas é certo também, que não se pode dar conta de tudo.
Trata-se, quanto à verdade, de restabelece-la articulando-a ao desejo que sempre opera contra a violência do silêncio imposto pelo trauma.
Se há um indizível desse trauma histórico que foram as violências diversas perpetradas pelo terrorismo de Estado da Ditadura Civil-Militar com torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas, hoje há o clamor de uma inadiável tarefa que é a de construir novas ficções jurídicas para suportar o sofrimento de muitos sujeitos. Aposta-se nessas invenções para a construção de algo mais suportável sobre o vazio do trauma. Daí que quando se diz “verdade” não se trata exatamente só de buscar a verdade dos acontecimentos, mas da busca do sujeito que a transporta naquilo que do gozo se escreveu em seu próprio corpo, no sentido em que possa subjetivar o impossível e o indizível do trauma.
Testemunhar sobre fatos traumáticos é tentar dar conta de um novo lugar – que o sujeito pode ocupar no que fora antes o reino do inumano, da dor e do sofrimento sem fim...
“Aqui não tem Deus, Papa, Arcebispo, nem Presidente! Cê está nas minhas mãos!”
Ouvi isso de um torturador quando estava atado à cadeira do dragão 2, preso na OBAN 3 em SP em março de 1974, quando fui conduzido do Quartel do 12º Regimento de Infantaria em Belo Horizonte, para aquele local de horror. Eu havia sido sequestrado em 4 de janeiro daquele ano, quando estava em Itaúna, MG e levado para o DOPS – Departamento de Ordem Pública e Social, depois para um local clandestino, a seguir para
Há reparação de danos?
Hesitei durante um tempo em consentir com a ideia de solicitar anistia, pois achava que não tinha de me dirigir ao Estado solicitando reparação de danos. Assumia a postura de não negociar, pois não me via incluído entre os perdedores. Se a ditadura civil-militar implicou em violências generalizadas, mesmo que já vivêssemos numa democracia pós ditadura, concluia que não devia buscar indenizações, pois não queria ser tomado como o que demandava reconhecimento.
Com a análise mudei de posição. Uma justiça de transição para um novo tempo de democracia não assegura, a priori, uma regra que diga de uma vez por todas o que é justo ou injusto para todos os casos. Só admiti solicitar anistia quando pude verificar que, se ela foi um dispositivo para todos os perseguidos, ela teve para mim um lugar singular que me tocava: não cometi nenhum crime, pois ousar ser diferente e professar ideias democráticas – o que ficou definido como “crime de opinião”– é uma defesa contra o arbítrio e o terrorismo dos opressores. Quem cometeu crimes foram os agentes do Estado.
Na nova ordem social e com o dispositivo da Anistia, o Estado Brasileiro veio publicamente na data de 11 de fevereiro de 2010, reconhecer minha condição de ex-perseguido por motivação exclusivamente política e reconhecer-me também como anistiado político nos termos do art. 1º da Lei 10.559/2002, oficializando formalmente um pedido de desculpas.
Montagem e invenções possíveis: a luta continua, camarada
De um sujeito de direito, localizar um sujeito do inconsciente – o que só se verifica com a análise, que destaca o que é singular entre o enunciado e a enunciação, entre o acontecimento traumático e a angústia instalada. Na posição de sujeito fica uma questão: como introduzir o não-calculável, um vazio entre o espaço e o tempo, entre um antes e um depois da cena traumática do sequestro, prisão e tortura, acontecimentos que faziam com que o corpo, durante muito tempo ainda, comemorasse a angústia com dores que se somavam às de uma doença autoimune?
Permitir o tratamento da angústia pela palavra pois, se aquela bloqueava o pensamento e implicava em mais dores, a análise para mim incluiu um tempo outro permitido pela transferência. Onde Isso era, outra causa se impôs sem o imperativo de um ideal: Wo Es war, soll ich werden.
Dos ditos do Outro – paixão mortificante do sujeito, com advento de uma angústia generalizada - à possibilidade da palavra na análise o que implicou, às duras penas, cessão de pedaços de gozos ainda agarrados ao corpo.
Havia já passado alguns anos e eu não me encontrava mais clandestino, já que saira da prisão em dezembro de 1975 para retomar a vida normal, mas me via ainda colhido na trama de um dito que surge a partir de um semelhante ex-camarada da causa política. Dito esse que me devastava: “sim você é um líder, um dos nossos, ou será um ídolo com cabeça de ouro, peito de ferro e pés de barro?”
Dores que ainda se faziam presentes com uma manifestação importante: membros inferiores abalados com os pés de barro levavam-me a um andar arrastado... um primeiro momento de análise com efeitos terapêuticos importantes: conclusão da formação acadêmica, um segundo casamento do qual nasce um filho, um segundo momento de análise com a descoberta do inconsciente e, em um terceiro que ainda prossegue, cuidando dos restos sintomáticos com a aposta na clínica analítica que passei a praticar.
Dar ao trauma subjetivo um lugar 6. Talvez assim a análise pode ser para mim a tentativa, um lugar mesmo para me haver com rupturas, em que se pode acrescentar elementos impoderáveis mas decisivos 7 para o falasser tentar dar conta de sua falibilidade, de seu fracasso, pois não há sujeito